Eu gosto de experimentar sistemas de RPG diversos. Creio que quanto mais sistemas o mestre conhece, melhor ele se torna caso saiba utilizar em sua mesa o que aprendeu durante as partidas que jogou. Por isso que nos encontros de RPG da minha cidade eu gosto de jogar sempre aquilo que nunca experimentei ou nunca ouvi falar, quanto mais diferente melhor.
Pois é, nos encontros eu gosto de experimentar tudo quanto puder de sistemas de RPG, me meto na maioria das mesas que eu conseguir. Me divirto e aprendo bastante.
Sempre voltei satisfeito para casa após passar uma tarde jogando RPGs diferentes e novos. Mas uma vez eu não voltei com essa sensação. E pelo título do post dá para saber que foi quando eu tive a oportunidade de jogar The Call of the Cthulhu D20 (CotC D20).
O que ele tem de ruim?
Na época em que joguei CotC D20 eu estava fissurado na obra de H. P. Lovecraft. Uma amigo comprou alguns livros deste autor e me emprestou na medida que ele ia terminando de ler.
Já tinha ouvido falar de como H. P. Lovecraft influenciou o terror moderno no cinema, quadrinhos, games, etc., que seus contos eram maravilhosos, sombrios e ímpares! Foi uma experiência sem igual que eu tive com a leitura dos contos de horror cósmico deste autor incrível.
Pois bem, quando fui pro encontro de RPG e vi na lista das mesas que iria ter uma sessão de CotC D20, fiquei extremamente empolgado, esperava ter uma sessão incrível!
O mestre fez um trabalho muito bom, parecia ser conhecedor da obra de Lovecraft e os jogadores também fizeram seus papéis. Não foi "rollplay" puro, todos interpretaram o máximo possível!
Mas existem 2 grandes problemas neste jogo, o sistema e a forma como o autor do RPG encarou a mitologia Lovecraftiana.
Problema 1 - O Sistema
O sistema que o jogo utiliza é o D20 e todo mundo sabe que ele é voltado para o combate e não para interpretação! Isso por si já descartaria o uso deste sistema para desenvolver um rpg baseado nos contos do Cthulhu e afins.
Porque eu não usaria o d20?
Porrada no Cthulhu? |
Porque quem conhece os contos como o Chamado do Cthulhu, sabe que o autor escrevia, entre outras coisas, sobre a insignificância humana diante da grandeza do universo. Que existiam criaturas ancestrais enterradas nas entranhas da terra que estavam esperando o tempo certo para despertar e acabar com toda a humanidade sem que ela tivesse a mínima chance de revidar.
Os contos relatam história de pessoas que morreram ou enlouqueceram do medo que sentiram ao descobrir esses seres ancestrais.
E o jogo não passa esse clima. O jogo transmite o seguinte: Escolha uma classe, seus atributos e vá lutar para subir de nível e quem sabe detonar o Cthulhu!
E isso é totalmente incoerente com a obra.
O sistema permite uma evolução baseada em classes até o 20º nível. Seu personagem vai evoluindo e ganhando benefícios conforme o nível. E eu pergunto: Pra quê isso?
Se a obra diz que a humanidade não irá escapar e relata como pessoas normais reagiram ao descobrir a verdade sobre o futuro inevitável do mundo, porque permitir que os jogadores evoluam até o mesmo nível da criatura e que tenham a chance de acabar com ela?
E já que é sobre pessoas normais, porque dar atributos como "Força 20" para um humano comum? Um halterofilista não chega nem perto disso.
Porque fazer fichas para as criaturas quando, em boa parte das vezes, Lovecraft não deixa claro se o que a pessoa viu ou sentiu era real?
A única coisa que o jogo acrescenta ao D20 são os pontos de insanidade. Dependendo do nível do horror que o personagem é exposto, ele ganha uma quantidade de pontos que podem inutilizar o personagem. E mesmo com isso, se seu personagem tiver atributos altos vai demorar bastante para você perdê-lo para a loucura (e talvez nunca aconteça).
Sem chances para a humanidade |
O jogo deveria ser de uma temática investigativa com pessoas normais que se deparam com a descoberta do fim eminente da humanidade sem possiblidade nenhuma de combatê-lo! Ou deveria ser sobre pessoas enfrentando horrores psicológicos, alucinações, e coisas semelhantes.
Não precisa de regras de combate, não precisa de uma evolução que te permita enfrentar o Cthulhu de peito aberto e com uma espada na mão. A consequência de apenas sonhar com esta criatura é a loucura, imagine vê-lo a 10 metros de você.
Não faz muito tempo que eu escrevi um post sobre adaptações para RPG, e esse é um claro erro de adaptação. O autor do jogo foi infeliz na escolha do sistema, pois só com pontos de insanidade não é possível emular todo o clima de horror da obra de Lovecraft.
Permitir que o personagem enfrente o Cthulhu, pra mim é o fim. Não existe nada de Lovecraft aí, a não ser os nomes das criaturas.
Problema 2 - O modo como o autor encarou a mitologia Lovecraftiana
Quem leu sabe que a H. P. Lovecraft escrevia contos de horror. O jogo é sobre a luta do bem contra o mal. E o pior, ele transforma o Cthulhu numa divindade maligna ancestral.
Por que transformar o que poderia ser um belo rpg de horror num desgraçado jogo de combate do bem contra o mal? Nunca consegui responder essa pergunta.
Quando se trata de horror não existe bem ou mal, existe aqueles que se controlam diante do medo e aqueles que enlouquecem diante dele. E existe também o medo que não oferece opção, você apenas enlouquece em contato com ele.
Um rpg desse tipo seria magnífico. Jogadores enfrentando o medo puro, fosse real ou não. Descobrindo que a humanidade não terá um futuro, que todos estão vivendo até o Cthulhu sair do seu sono ancestral e anarquisar tudo. Sem combate, apenas o horror e loucura!
Mas não, além de permitir que combatam o Cthulhu, vamos definir que ele é uma divindade maligna.Veja você, Lovecraft criando uma divindade maligna.
Concluindo
Acho que deu para entender o porque de ter odiado tanto esse jogo. Uma adaptação totalmente incoerente com o universo construído na obra.
Existem outros RPGs que utilizam alguma coisa criada por Lovecraft, como o Cthulhutech que mistura elementos de ficção científica, animes de robôs gigantes e as criaturas cósmicas ancestrais Lovecraftianas. Nada além disso. É um RPG para você descer o cacete no Cthulhu com mechas gigantes! Simples assim.
Por isso não causa uma revolta como o The Call of the Cthulhu, o Cthulhutech tem um objetivo totalmente diferente.
Enfim, eu odiei o jogo (o CotC D20). E por mais que digam que o rpg não depende do sistema, eu digo: Depende Sim!
O sistema precisa emular todo o clima da obra literária e se isso não acontece temos um problema, acrescentar pontos de sanidade não adianta.
Eu sei que um bom mestre pode fazer milagres, mas deixar tudo nas costas dele é exigir demais. Existem outros pontos de uma partida que são mais importantes do que adaptar todo um sistema. Sinceramente penso que seja uma perda de tempo, pois temos a disposição tantos outros que podem ter resultados melhores.
A obra de Lovecraft é fantástica, leia se tiver a oportunidade. Mas se for jogar o RPG não escolha o D20. Escolha outro, ou faça a sua versão mas não use o D20. Não serve. Se quiser avacalhar, jogue o Cthulhutech. Se quiser jogar num clima mais investigativo experimente o Rastro de Cthulhu.
p.s.: Eu nunca joguei o Rastro de Cthulhu portanto não sei dizer se é fiel a obra. Pelo que eu já li a respeito, parece ser bem melhor que o The Call of the Cthulhu D20, bem melhor!
4 comentários:
Ótimo artigo. Concordo plenamente.
Desculpa mas não concordo.
Com relação ao sistema gostaria de citar que:
> Os jogadores tem um BBA pior da tabela (ou seja eles continuam ruins em combate)
> Por mais que o personagem possa ter um nível alto o Mestre/Keeper sempre pode colocar um desafio maior que o dele.
> Pontos de vida: Por mais que seja d6 o personagem tem aquela margem de dano massivo igual à constituição dele nesse sistema (que é semelhante ao d20 Modern)
> Na minha mesa de horror que fiz uma adaptação do sistema para um horror baseado em elementos sobrenaturais (não científicos, ou seja não aproveitei a mitologia lovecraftiana) só existe um player com um talento de uso de armas de fogo pq ele trabalha na Scotland Yard, a maioria não tem... ou seja além do Bônus Base de Ataque Pífio eles ainda tem -4 para atingir.
> Dou nesse sistema uma quantidade muito baixa de pontos de atributo para distribuir com custos elevados para habilidades maiores, então a maioria dos atributos do pessoal gira em torno de 12, e às vezes eles ficam com algum que seja o maior que possui um 15.
O pessoal utiliza-se mais de perícias do que de combate, um simples cachorro já pode mata-los no sistema, e como não existe magias de cura eles ainda ficam uma boa quantidade de tempo para se recuperarem dos danos.
acho que o narrador que vc disse acabou se empolgando por estar jogando com o d20 system que facilita situações de combate e colocando coisas d+ para se matar.
Creio que o grande problema foi o grande uso do D20, porem considero a opinião.
Concordo com que você escreveu em parte.
1-Concordo que d20 não é o melhor sistema para usar nunm roleplay que deveria ser mais interpretativo do que combativo.
Mas isso não quer dizer que não de para fazer.
Como você mesmo disse, todo mundo fez o melhor que pode e a experiencia foi boa.
Talvez a frustração pelo RPG ser tão diferente da obra, tenha pesado mais. Eu entendo isso perfeitamente.
2- Quando ao avanço em níveis, o problema não está na evolução dos personagens, mas sim no Chtulhu ter uma ficha e/ou ter a possibilidade de ser morto.
A evolução dos personagens, em níveis ou em pontos distribuídos (em sistema diferentes) é importante para que os personagens consigam aprender coisas novas, realizar façanhas mais prestigiosas, vencer desafios que antes não teriam como.
Concordo e entendo que o aumento exagerado de algumas habilidades fica desproporcional para o cenário proposto - esse eu nem rebato rs.
Só faço essas ressalvas
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